Formação
Em Julho deste ano de 2019, a IGJ levou a cabo uma ação de formação ministrada por experts estrangeiros, com um programa de formação alargado e com incidência sobre o fenómeno da lavagem de capitais e financiamento do terrorismo.
Vale a pena dizer que o volume extraordinário dos recursos envolvidos na atividade de jogos e apostas de azar, seja quanto aos valores jogados seja quanto às receitas geradas, torna esta atividade referencial para eventuais práticas de branqueamento de capitais.
De acordo com o Relatório do FATF/GAFI (Finantial Action Task Force/Group d’Action Financière), mais de 150 países dispõem de um qualquer tipo de jogo legal, mais de 100 países legalizaram o jogo em casinos, mais de 100 países dispõem de um qualquer tipo de lotaria e mais de 60 países de indústria dirigida a apostas sobre corridas.
Do plano de formação constavam ainda matérias sobre:
- Legislação e regulamentação institucional e do jogo
- Modalidades afins dos jogos e apostas de fortuna ou azar
- Decreto Lei 73/2015 – Lei Jogo Online
- Portaria 47/2018 – Fixa as regras e modelo de dados do jogo online
- Projecto de lei sobre junket para o jogo
- Projecto de portaria regulamentadora das práticas de junket
- Tecnologias de controlo do jogo
- Contabilidade especial do jogo
- Contabilidade comercial das empresas concessionárias e titulares de licenças
- Práticas de jogo responsável entre outras.
São em regra apontados vários fatores de risco para a ocorrência de práticas de branqueamento de capitais no sector de jogos e apostas, entre eles:
- As características da economia
- As características do sector de jogos e apostas
- O ambiente legal e regulatório
- A governança institucional
- A governança corporativa
- A estrutura societária e a integridade dos operadores
- A governança corporativa de intermediários e empresas associadas
- A integridade dos agentes
- Atividades criminosas e produtos do crime gerados internamente e branqueados no exterior
- Atividades criminosas e produtos do crime gerados no exterior e branqueados internamente
- Os controlos internos
- O tipo de clientes
- O tipo de produtos e serviços financeiros oferecidos pelos casinos ou por intermediários
As economias em que a atividade de jogos e apostas não se encontra, no todo ou em parte, regulamentada e adequadamente controlada ou aquelas em que o ambiente legal e regulatório não se apresenta consistente e credível, constituem naturalmente espaços de maior vulnerabilidade, propensos à instalação do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e de práticas de financiamento do terrorismo.
Mas se a ausência ou insuficiência de lei, assim como a ausência ou insuficiência de método e de controlo especializado, se apresentam-se determinantes para a instalação destes processos, também a ausência de tradição regulatória ou de comunicação entre autoridades regulatórias, constitui fator de peso no seu desenvolvimento.
Método:
No presente quadro e em termos conceptuais poderá entender-se o método, entre outras possíveis definições, como um determinado procedimento ou conjunto de procedimentos destinados ao branqueamento de capitais.
A adoção de um método pressupõe o recurso a uma técnica, a um mecanismo ajustado à prática e aos instrumentos necessários.
Poderão, por sua vez, definir-se a técnica como a forma ou o procedimento por via do qual se desencadeia o branqueamento de capitais (ex: adquirir um cheque do casino), o mecanismo como o sistema ou estrutura usados para esse fim (ex: o casino) e os instrumentos como os objetos com valor usados no processo de branqueamento de capitais (ex: cheques do casino, fichas, tickets, etc.).
Os elementos apontados como integrantes do método do branqueamento de capitais podem, em si mesmos, não envolver qualquer tipo de ilegalidade. Tornam-se ilegais quando a técnica, o mecanismo e os instrumentos forem usados conjuntamente para fins dessa natureza, designadamente, para efeitos de branqueamento de capitais.
Ocorre, por vezes, confundir-se o método com indicadores do branqueamento de capitais, contudo, não são necessariamente sinónimos. Um indicador integra por norma um ato, uma prática, o método é já, em si, um processo elaborado, uma interação de recursos.
Indicadores:
Podem constituir indicadores de branqueamento de capitais, nomeadamente:
- Jogadores a inserirem quantias elevadas em máquinas de jogo e a reclamarem o seu pagamento como créditos, sem que haja ocorrido qualquer prémio;
- Jogadores a reclamarem pagamento de créditos num número elevado de máquinas de jogo;
- Alternâncias notórias no padrão de aposta;
- Jogadores a inserirem valores elevados em máquinas de jogo, porém, a jogarem em mínimos, reduzindo o risco de perdas, mas acumulando créditos;
- Conjugação frequente entre jogadores de bancados que cobrem em máximos de aposta a totalidade das chances ou que sobrepõem apostas sobre os mesmos números;
- Notório desinteresse do jogador pelo sucesso da aposta;
- Jogadores em posse de volumes significativos de dinheiro ou fichas;
- Transações anormais de fichas sem o correspondente volume de jogo;
- Transações de fichas em volume anormal num curto período de tempo;
- Realização de transações através de múltiplas contas bancárias;
- Compra de fichas em dinheiro e recuperação desse valor através de um cheque do casino;
- Compra de prémios a jogadores limpos por um preço mais elevado;
- Compra de cheques do casino a jogadores limpos por valor mais elevado;
- Utilização de fichas de casino em transações marginais;
Compra de vouchers de oferta dos casinos por valor mais elevado.
São vulgarmente apontadas entre as maiores vulnerabilidades da actividade de jogos e apostas de azar face à eventualidade de ocorrer branqueamento de capitais, as práticas de Casino Junket ou casino-based gaming tours, as gestão de salas VIP e de High roller costumers, a desregulação dos mercados, em particular dos novos mercados afro-asiáticos e a exploração de jogo em alto mar.
O Junket traduz-se, em regra, na organização de viagens com o intuito de levar pessoas para jogar num determinado casino. Estas viagens podem incluir transporte, alojamento, alimentação, incentivos ao jogo e movimento de fundos do e para o casino.
A prática de Junket pode partir da iniciativa de um determinado casino e ser levado a cabo pela sua estrutura interna de marketing e gestão de clientes ou ser operado a partir do exterior por agentes contratados, sediados em território nacional ou no estrangeiro, que funcionam como intermediários entre os jogadores e o casino.
Os agentes de Junket são em regra remunerados com base em:
- Percentagem sobre do dinheiro depositado à entrada por cada jogador;
- Comissão sobre as ‘dead chips’;
- Comissão sobre as ‘live chips’;
- Comissão sobre as perdas dos jogadores;
- Comissão sobre os ganhos teóricos do casino.
‘Dead chips’ são fichas de jogo não negociáveis, fichas que não podem ser trocadas por dinheiro do casino. Só podem ser resgatadas mediante prévia troca por ‘live chips’ .
No Junket os agentes criam uma conta de ‘dead chips’ no casino, sendo as fichas negociadas diretamente entre o agente e os jogadores.
Os jogadores apenas podem resgatar as ‘dead chips’ através do agente de Junket e nunca através dos serviços do casino.
É comum ocorrerem negócios de índole criminal em que as ‘dead chips’ surgem como moeda corrente.
O Junket encontra-se regulamentado nos EUA, Singapura, Macau e algumas jurisdições asiáticas, onde é prática comum e, de algum modo, integra uma das características da actividade. Não é prática na Europa e em Portugal não existe qualquer regulamentação neste domínio e os casos de Junket ocorreram por iniciativa de concessionários dos casinos, sem intervenção da autoridade reguladora que se limitou, nos casos, a acautelar o cumprimento da legislação do jogo quanto às regras práticas e à contabilidade especial.
A vulnerabilidade apontada às salas VIP e de High Roller Costumers decorre fundamentalmente do volume de jogo aí verificado, da cadência elevada do mesmo e da maior fragilidade dos controlos internos de idoneidade.
Por sua vez, a desregulação dos mercados será, por inerência do termo, a maior das vulnerabilidades. Referimos antes os novos mercados afro-asiáticos o que pode ser equívoco ou, pelo menos, susceptível de interpretações erradas uma vez que entre os novos mercados afro-asiáticos casos há como Macau, com a atual dimensão, ou Singapura onde são conhecidos os ordenamentos jurídicos e as estruturas reguladoras e de controlo consolidados.
Há, porém, casos em que, associada à pura inexistência de lei enformadora, a oferta de jogos e apostas de azar proliferam de forma pública e notória, exploradas como próprias, muitas vezes, por agentes do poder instituído, sem qualquer tipo de regulação ou controlo, tornando impossível auditar práticas ou transações e, muito menos, acompanhar o movimento transfronteiriço e o destino das receitas geradas.
A lavagem de capitais (LC) e o financiamento do terrorismo (FT) são fenómenos transnacionais com consequências graves para o desenvolvimento económico e social dos países.
Visando prevenir e reprimir a LC e o FT, Cabo Verde aprovou a seguinte legislação:
- Lei nº38/VII/2009, de 27 de abril (alterada e republicada pela Lei n.º 120/VIII/2016, de 24 de março), estabelece medidas destinadas a prevenir e reprimir o crime de lavagem de capitais, bens, direitos e valores;
- Lei nº27/VIII/2013, de 21 de janeiro (alterada e republicada pela Lei n.º 119/VIII/2016, de 24 de março), que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva contra o terrorismo, seu financiamento e sua organização;
Em face disso e por força da Lei 120/VIII/2016 de 24 de Março que estabelece medidas destinadas a prevenir e reprimir crimes de lavagem de capitais, bens, direitos e valores,
- Inspeção Geral de Jogos (IGJ) é a Entidade de Regulação e Supervisão para as pessoas físicas ou coletivas que exploram casinos, jogos de fortuna ou azar, apostas mútuas ou promotores de jogos de fortuna ou azar, art.º n.º 5, alínea b) da referida lei.
- A Lei 120/VIII/2016, 24 de Março, integra entre as entidades não financeiras sujeitas a obrigações no domínio da prevenção do branqueamento de capitais:
♣ Casinos, incluindo casinos online
♣ Entidades pagadoras de prémios de apostas ou lotarias
♣ Estabelece às entidades vários deveres gerais de que se destacam:
Os concessionários de exploração de jogos e casinos devem:
Identificar e verificar a identidade dos frequentadores à entrada da sala de jogo ou quando adquirirem ou trocarem fichas de jogo ou símbolos convencionais utilizáveis para jogar, quando os clientes efetuarem transações de montante igual ou superior a 300 000$00.
As entidades pagadoras de prémios de apostas ou lotarias devem identificar os vencedores dos prémios sempre que o montante ganho for igual ou superior a 600.000$00 (seiscentos mil escudos).